Desço a ladeira e viro à esquerda, subo a estrada, passo a estação de serviço onde vendem Spring valley ao dobro do preço e garrafas de 20L de água Cool já a esverdearem.
-“
Bensina?”- perguntam – “
Full?”
-“
10 dólares se faz favor. Ossan limitado. E nota se faz favor, pró kantor” – digo eu, porque esta é a tradição. Depois refilo porque nunca tenho desconto ou oferta de um litro, ou uma garrafa de água. Eu que deixo lá 1500 dólares por mês! Ele ri ri e não diz nada! Depois entra a bebé e eu aperto-lhe a bochecha direita e grito-lhe
“boneeeeca”, que é indonésio para “boneeeeeca”, como bola é para bola, como mesa é para mesa. E estranhamente santa diz-se bunda e de cada vez que vou a caminho de Tutuala rebolo-me a rir quando vejo as letras garrafais no edifício da igreja da Bunda Maria. E visualizo sempre um altar com uma Santa reboluda de anafado rabiosque. E nunca lá entrei para não acabar com a fantasia. E rio agora a escrever isto e sei que vou para o céu porque ele pertence aos pobres de espírito. E depois, conforme a tradição, compro o pacote de leite de morango para a Gui, despejo os 20cl de água que o radiador precisa para se acalmar e vou embora. E eu sei que esta é a tradição porque fui eu que a inventei. Depois entro numa quase recta, passo o aeroporto e estou no caminho para Dili. E acalmo (caso não viaje com o M. a falar aos berros até Manatuto), acalmo.
Gosto da viagem para Dili. Gosto da sequência da passagem; da montanha, da planície, da várzea, do mar, da montanha, do mar, da montanha. E numa zona é primavera, porque as buganvílias colorem tudo e na outra é Outono porque as folhas atapetam o chão. E vêem-se bandos de gente a trabalhar o arroz e levanta-se a mão e diz-se adeus e todos respondem, e manadas de búfalos atravessam pachorrentamente a estrada e grita-se bom dia ao dono e ele responde, e pequenos grupos de homens concertam a estrada e abranda-se levanta-se o polegar à parolo e diz-se-lhes “servisu diak” e eles, todos eles, riem e respondem obrigaaaaaaada! E acena-se aos meninos de uniforme gasto que gritam invariavelmente “malae malae” ou “mister mister” independentemente do género de quem passa. E atrás a Gui dorme com o leitor de DVD nas pernas.
E este é o único momento que tenho para mim.
Com a montanha, o mar, a lezíria, os búfalos, os meninos desbotados, as buganvílias, os cantoneiros, as tekas, o odor da maresia e as mãos que se levantam para o adeus.
Porque a partir de agora cada uma destas viagens é de facto um adeus.
E choro e rio e insulto-me e lamento, e este é o único momento que tenho para mim.