Saturday, October 28, 2006

BAD MOTHER, BAD MOTHER

Ás 3 levei a G. a uma Embaixada para participar num aniversário. Regressei ao carro e vi outras crianças acompanhadas por seguranças a chegar. algumas são filhas de representantes diplomáticos, outras de membros do governo do país. Sentada no carro apercebi-me de que pela primeira vez tinha deixado a minha filha nas mãos de estranhos e não senti qualquer aflição. tecnicamente ela encontrava-se em território estrangeiro e a acontecer alguma coisa estaria melhor protegida do que se estivesse comigo.
E depois apercebi-me de outra coisa: tinha pela primeira vez desde há muito muito tempo, 3h30m só para mim. Não para escrever um relatório, não para organizar uma reunião. Não. Só para mim...para fazer o que quisesse sem carregar lápis de côr e bonecos e livrinhos. Só para mim. E fiquei muito confusa. Não sabia o que fazer.
E dei por mim a conduzir e quando despertei estava no Sakura e ouvi a minha voz a dizer: "A Facial, please!" e deitei-me e fiquei ali hora e meia a ser massajada nas bochechas, depenada nas sobrancelhas.E gostei! Mas que fazer na hora e meia seguinte? E ouvi a mesma voz a dizer: "Cream bath?"E passei outra hora e meia a ser massajada na cabeça, nos ombros, nos braços com um creme de côco divinal. E gostei!
Logo vou ao site do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Eles devem ter a lista das representações oficiais estrangeiras em Dili. Depois pego nessa lista e investigo quanto dos representantes têm filhos pequenos. E depois descubro em que escola estão e depois descubro as datas de nascimento e depois é só passear em frente da respectiva embaixada nos dias chave e deixar a G. lá na festa - assim, cheia de seguranças num quadrado que é um país estrangeiro .
É que preciso de fazer depilação, pedicure, manicure e beber um latte sem ter que lutar com ela para ficar com a espuma...

Thursday, October 26, 2006

RANHOSOS EM ITÁLIA

HAE-CONI

Sentada na varanda da Escola de Hae-Coni, com o Director e o Liurai ao meu lado esquerdo, a beber chá quente muito açucarado e a comer bolo de batata doce e caramelo, sinto que podia ficar ali a vida inteira. O vento atravessa a varanda e lá ao fundo há um pequeno monte com uma árvore enorme que recorta o céu e é tudo tão lindo, tão limpo e perfeito que não parece real. Em baixo o Padre Tomás celebra a missa porque o Padre local, um Filipino, ao fim de 3 horas ainda não tinha aparecido. E a G. senta-se nos degraus e olha-o fixamente sem perceber a situação.
O Padre Tomás é doce sem ser meloso, é sarcástico sem ser amargo, canta canções pop indonésias acompanhadas por gestos que fazem a G. rir durante toda a viagem, diz adeus ao sol quando ele se esconde ao fim do dia e trauteia marchas de Lisboa, e assim transforma uma viagem de saltos e solavancos iniciada ás 5 da manhã (uma hora pouca católica, como eu lhe sublinhei quando o fui buscar), num dos momentos mais bonitos que vivi até agora em Timor.
Hae-Coni fica no sopé do Matebian. Matebian significa o “lugar para onde vão as almas dos que partem”.Matebian é também o nome que se deve juntar ao da pessoa que morreu quando se fala dela. Se eu falar do avô a alguém, devo dizer Matebian Francisco. Ou Francisco Vendinha Matebian. E assim todos sabem que a alma dele já aqui não está. Partiu. Foi para a montanha.
Hae-Coni é fresca e tem qualquer coisa de diferente. A escola que inauguramos foi construída pela comunidade. Ontem pintaram-na de rosa, lilás e azul e ficou linda!
Em cima, no edifício principal, num plano elevado em relação a tudo o resto, ficam os convidados importantes. Em baixo, a restante comunidade. Quando distribuem o chá e o bolo, apesar da fome sinto-me desconfortável. Incomoda-me o tratamento diferente mas quando olho para as pessoas em baixo, reparo nos tabuleiros cheios de chávenas que circulam entre os presentes – iguais aos nossos, os “importantes” e reparo no telheiro que foi construído para proteger todos do sol e ouço a voz do organizador ao microfone a pedir desculpa por não terem arranjado mesas para todos e a assumir a responsabilidade. E é isto que Hae-coni tem de diferente – é o respeito e o sentido de igualdade entre todos os membros da comunidade. E a brisa atravessa a varanda e eu não tenho vontade de partir. E quando olho para o Liurai digo à G.: “G, este senhor é o rei, é o rei de Hae-coni, como os das tuas histórias”. E sinto-o a sorrir. Sorriu porque ouviu. Ouviu porque eu quis que ele ouvisse…

MATEBIAN

Aos pés do Matebian, sobre um pequeno monte antes de se chegar à escola, está a sepultura do Sr.José. No fim da cerimónia e antes de partirmos, paramos lá. Não há areia, mas terra e pedra, e a família colocou uma cruz enorme e bonita esculpida em madeira com o nome e a data em que ele foi para a montanha. Estão 3 jarras com flores artificiais caídas sobre a sepultura e arranjos de flores secas e panos pretos. Os panos pretos foram usados por familiares mais ou menos distantes durante três meses – nas mangas, ao peito, ao pescoço – ao fim de 3meses reúnem-se no cemitério e colocam-nos sobre a sepultura, depois come-se e bebe-se. Os convidados deverão entregar envelopes com dinheiro à família. “Para velas”-dirão. Ao fim de 1 ano, os familiares próximos retirarão o luto e depositarão os panos negros que usaram sobre a sepultura. Nesse dia faz-se uma fogueira e todos os panos são queimados. Ali mesmo, sobre a sepultura. E depois a família passará o dia a construir uma estrutura em cimento tão grandiosa quanto as suas posses o permitirem. E depois come-se e bebe-se.
O Padre Tomás com a delicadeza que o caracteriza, murmura uma oração sem a impor. E ao voltar-se para regressar ao carro, toca na terra e diz “Adeus, Mestre”. E os olhos ardem-me quando penso no que este dia significaria para o Sr.José. Ele faria um discurso – porque eu iria obrigá-lo – diria piadas sobre o atraso do padre Filipino, comentários sarcásticos sobre a ausência do Superintendente Rodolfo, com quem andou na escola, trataria o Liurai por Excelência apesar de ter crescido com ele e estaria nervoso nervoso com receio de uma falha no programa.
Mas o Sr.José não está.
E a escola foi acabada. E a comunidade reuniu-se e celebrou-a e celebrou-o.
Porque como dizia o J. depois de anos e anos em Madagáscar, só morremos quando ninguém se lembra de nós e há muita gente que caminha e respira e vê e ouve e não sabe que está morta – porque é a memória que os outros têm de nós que nos mantém vivos.

Saturday, October 14, 2006

SWEET JESUS!!!!!

O ladrão de Domingo manda dizer que não é ladrão e que se sente ofendido por eu me referir a ele como tal quando conto a história a outras pessoas.
Manda dizer também que só precisava de umas flores porque ia a um funeral no dia seguinte e que não havia necessidade nenhuma de ter gritado com ele.

Thursday, October 12, 2006

BLOODY SUNDAY... PART I

Domingo.
Para a praia não se vai porque não há hipótese de sossego.
Para a piscina não se vai porque está cheia cheia de meninos . E os meninos são simpáticos e gostam de exibir os saltos e mergulhos para a água, e a pele escura brilha macia da água da nascente. E apesar de se ter que pagar para entrar na piscina, a piscina está cheia de meninos, porque os deixam entrar. E isso é bonito.Por entre os mergulhos os meninos coçam a cabeça. E a cabeça está cheia de piolhos e só as meninas é que são catadas – na varanda da casa, enquanto esperam transporte, sentadas nos muros enquanto conversam… Catar e tirar macacos do nariz é uma vivência de grupo. Só deve ser feito quando se verifica a total ausência de privacidade. E não é por serem meninos Timorenses que nós não vamos à piscina. É por serem muitos muitos meninos com muitos muitos piolhos a nadarem vestidos com as roupas que têm na piscina a sua única oportunidade de contacto com a água. E se os meninos fossem louros de olhos azuis e falassem francês com um sotaque afectado e se a piscina fosse algures numa zona chique da Cote dÁzur, mas se houvessem piolhos, nós também lá não iríamos. Ás vezes por qualquer razão os meninos não estão e na água só se vêem casais cubanos, médicos e enfermeiras que provam aos Asiáticos que essa história do planeamento familiar não é bem assim. Nesses dias também não se deve ir á piscina – corre-se o risco de uma gravidez não planeada ao entrar na água

BLOODY SUNDAY... PART II

Domingo.
Para combater o tédio fazemos trabalhos manuais e eu decido oficializar a minha derrota perante a porta colada com gelo do congelador – e carrego no botão do defrost. Dois telefonemas e consigo ajuda para me livrar dos peitos de frango. Hoje fazemos caril. Temos convidados para jantar.
A chorar com a cebola na mão e a G. a furar-me os olhos porque insiste em limpar-mos, corro para a porta onde uns gritos aflitos de “Senhora, Senhora” me chamam a atenção. A D. Amélia e mais 3 mulheres. Uma está dobrada sobre o próprio corpo e tem a pele num tom cinza. É a filha. Está grávida de 3 meses e sangra há 4 dias. Vamos para o hospital. Ninguém. Faço uns telefonemas. Está tudo de férias. E ela deita-se numa maca no bloco da maternidade, onde tudo é menos sujo. Onde quase não há odores. Mas e o médico, não há um médico? “Está a cortar mulheres para lhes tirar os bebés” dizem-me. Em Portugal chamamos-lhe cesariana. E passados uns momentos chega um bebé nos braços da enfermeira. Atravessou todo o pátio do hospital, passou pelos tuberculosos, pelos leprosos, pela zona das infecto-contagiosas que não estão separadas e chegou ao pavilhão da maternidade. E se sobreviveu a isto, já deu provas de que merece mesmo ficar deste lado. E eu pego naquele embrulhinho ao colo. Nunca tinha pegado num recém-nascido. “Vamos levá-lo, G.?” “És completamente tonta, mamã.”, e vira-me as costas… A puberdade vai ser complicada… Para mim, claro…
Depois de deixar os 10 dólares para comprar sangue, vamos embora.

BLOODY SUNDAY... PART III

Domingo.
Estão os peitos de frango a ganhar uma cor linda no tacho e novamente o “Senhora, Senhora”. Parece que a paciente está com fome. O lume é reduzido e pegamos no carro que se enche de Termus, panelas, naperons e afins, 4 crianças, 5 adultos e lá voltamos ao hospital.
E regresso a voar e termino o caril e ponho a mesa, e despejo vinho do porto sobre os paus de canela das maçãs no forno e a casa cheira a Natal. Sinto-me uma personagem de um dos livros da Colecção Laura Alves. E depois chega a T. e oferece-me uma garrafa de vinho tinto e diz: “Escolhi um Português. Estou certa de que será bom”. É um Camilo Alves… pelo menos não vem em pacote… Por sorte não tenho saca rolhas e o G. ao chegar parte o gargalo ao tentar abrir a garrafa. E assim foi poupada a pobre Australiana, à árdua experiência de ter que beber o vinho que amorosamente comprou. E a comida estava deliciosa. E no hospital a filha da D.Amélia recebia 10 dólares de sangue rodeada pela família que dormiu aos pés da cama.
E os amigos vão embora.
E finalmente tenho tempo para um xixi. E sentada na sanita tenho a nítida sensação de não estar só. E passados uns minutos ouço ruídos. E vou até á janela do hall de entrada (já composta e de rabo limpo), e vejo pendurado no telhado a mancha branca de uma camisa.
Outra vez!
Abro a cortina e berro-lhe: “Ouça lá. Mas isto agora é todas as semanas? Mas a minha vida é isto? Mas a sua vida é isto? O que é que quer que eu faça? Que lhe diga que estou com medo? Que chamo a policia? Vá embora. Vá-se já embora. Vá embora JÁ”
E ele foi.

Wednesday, October 04, 2006

HUMMMM...

Ao entrar no meu quarto no Hotel Dili, encontro um pratinho com uma maçã, uma manga e uma banana ao lado de um envelope. O envelope tinha uma foto do edifício e uma mensagem que dizia: "Welcome Carla and Margarita. Its nice to have you back". Ohhhh!
Vou ficar aqui SEMPRE! JURO!
E na parede uma folha laminada anunciava a existência de massagens! Ás 7h, eu e G. tinhamos as cuecas mais bonitas da nossa colecção postas e esperávamos aos saltinhos a chegada da Filipina. E chegou e foi mesmo muito bom. E o cheiro do óleo com que ela nos besuntou lembrava-me qualquer coisa. Mas o quê, mas o quê? Não é eucalipto, não é cedro. Mas o quê. E o prazer dos pés massajados e dos circulos sobre os meus olhos era sobreposto pela irritação da falha de memória. Mas o quê, mas cheira a quê. E ahhhhhhhhhh! A Páscoa, a casa da avó na Páscoa (há 30 anos atrás?)

Eu cheiro a móvel encerado.

Se eu fosse um móvel seria um pechiché...

Sunday, October 01, 2006

EM DILI

A Areia Branca será provavelmente a zona mais tatuada e musculada deste canto do hemisfério. Existe uma média de 5 tatuagens por m2 . E eu sei porque estou aqui sentada numa cadeira sem rigorosamente mais nada para fazer a não ser estas úteis estatísticas.
A Areia Branca é uma zona de guerra. Não porque haja combate, mas apenas um ataque duro e cerrado sem momentos de trégua.
Os bigodes, as barrigas e a pronúncia de Viseu (desculpa, Eva!) foram substituídos por bíceps monumentais adornados com tatuagens gigantescas. É tudo enorme, excepto a altura das pernas e se não fosse o coçar o pipi de 4 em quatro minutos, ninguém desconfiaria da função ou nacionalidade dos proprietários.
A Areia Branca faz mais por Portugal do que todos os esforços diplomáticos levados a cabo pela Embaixada Portuguesa. No areal, os GNR esforçam-se por estabelecer laços com representantes de outras nacionalidades. O facto de todos esses representantes serem do sexo feminino, é pura coincidência. Eles sorriem, são corteses, transmitem uma imagem de saúde e vitalidade ao suspenderem-se do kablac do Kasbar fazendo elevações. Jogam à bola quando a maré está baixa e se não fosse o “Anda lá c…”, quando o colega não passa a bola, e o “Filho da p…”quando falha o remate, estes momentos poderiam constituir imagens perfeitas para um spot de recrutamento.
Mas grave, muito mais grave do que isso, é ouvi-los a interagir em estrangeiro; não só com uma estrutura gramatical correcta, mas também sem o sotaque italiano que os portugueses gostam de impor ao Inglês. Eu não estou preparada para isto. No meu mundo as coisas não são assim. No meu mundo um GNR chama-se Agente Gomes, faz-se acompanhar de uma fita métrica e ameaça “altoar a biatura”. Mas, justiça lhes seja feita, aqui, basta estes senhores estarem por perto e uma pessoa sente cada músculo do corpo a relaxar. E baixa-se a guarda e apreciam-se coisas lindas como o pôr do sol sobre o mar e as prostitutas indonésias a distribuírem cartões de visita na praia.