Wednesday, August 29, 2007

GUI E DIOGO - O REENCONTRO




SEM TEMPO PARA O ADEUS

Ela chama-se Carmen com um sobrenome complicado que nunca decorei mas que sei copiar. Paraschiv. Carmen Paraschiv. Conhecêmo-nos em Timor, claro! Amiga de amigos. O conhecido grupo de Leste que vivia no City Cafe. Encontrei-a à entrada do avião em Bali quando foi do regresso com a Gui. Ela estava com aquele futuro ex-namorado Espanhol, que por muito que me esforce nunca me recordo do nome, e que é uma daquelas pessoas que se vê que é boa gente assim a olho nú, e que tem um sorriso simpático e trata a Gui por princesa e faz sempre aquele ar que as mães gostam em que se finge estupefacção pelo nivel de beleza que a filha está a atingir. Ela é muito alta e tem um corpinho muito perfeito e muito desenhado num rosto muito simples. E vimo-nos muitas vezes, claro, quando eu trabalhava na UNMISET e ela também. Na altura muito feliz por se ter livrado do contrato de UNV e passado a SSA - a abertura do caminho para a liberdade... Mas apesar de todas as vezes que nos cruzámos, a imagem que me ficou sempre associada ao nome, foi a dela a dançar com uma saia jeans que usava repetidamente aos sábados à noite no One More Bar. Assim muito bonita e segura de si. Aquela auto-confiança que corre nas veias das mulheres de Leste. Que é uma espécie de gene.
Hoje soube que morreu na segunda, no Benim. O corpo já está em Paris. Segue para a Roménia acompanhado.
Eles dizem no email "the remains". E eu fico sem saber se é porque é assim que se fala bom Inglês, ou se de facto lá não está tudo. Mas de facto não, esta será a palavra certa, porque algures em África, algures no Benim, num carro, a caminho do casamento desapareceu o espírito da Carmen, a romena de saia jeans que dançava aos sábados no one more bar altiva e sensual de rosto discreto. E áquela caixa, coberta com a bandeira azul, falta-lhe isso.

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Quem desejar partilhar com a familia da Carmen este momento, pode enviar um email para a Nicoleta (verestiuc at un.org). Ela compactará todas as mensagens num livro, que será entregue à familia

Friday, August 24, 2007

DOROTHY IN RED SHOES

Gosto de ti, Margarida. Amo-te, filha.
Acho-te perfeita em cada asneira que fazes, em cada boneco fora do sitio, em cada puzzle com peças perdidas, em cada sopa entornada, em cada pedido de gelado repetido à exaustão.
Gosto do teu cabelo sempre fora do sitio tão diferente do das meninas dos catálogos, da tua pele morena que fica quase azul assim por uns instantes nos ombros, ao fim de um dia de praia.
Gosto dos teus desenhos de coqueiros que te irão fazer parecer lamentavelmente exótica ao lado das arvores redondas dos outros meninos das escolas daqui.

Gosto de ti, Margarida.
Amo-te, filha.
E prometo-te que nunca serei a tua melhor amiga.
Quero-me assim, tua mãe.
E se tiveres pensamentos que são só teus e não os quiseres dividir, não me farás triste.
E se tiveres segredos que são só teus e não os quiseres contar, não me farás triste.
Mas se tiveres medos e se tiveres derrotas e as esconderes de mim, se tiveres lágrimas e as limpares antes que eu chegue, se deixares de gostar de noodles e do cheiro a café e de tomatinhos cherry, se trocares os banhos de imersão pelos duches e eu não me aperceber, vou saber que não te disse "Gosto de ti Margarida, Amo-te filha, acho-te perfeita em cada asneira que fazes" vezes suficientes. E nesse dia saberei que te perdi.

Monday, August 13, 2007

PORQUE TODOS OS DEUSES SÂO GRANDES

Ela nunca percebeu, de cada vez que visitávamos Bali, ou passeávamos num aeroporto, porque haviam senhoras com lenços na cabeça tão embrulhadinhos e casacos e luvas se não estava frio.
Desejando eu que ela cresça dentro do possível num ambiente multicultural, não achei correcto introduzir-lhe a temática falando-lhe em direitos das mulheres, opressão, obrigatoriedades. Porque para todos os efeitos e independentemente da minha opinião sobre assunto, há mulheres que usam o lenço com orgulho, que se passeiam de burqa, chador, niquab, abaya, jilibab, khimar, sem que isso lhes perturbe o sentido de serem mulheres.

Então comprei-lhe uma Fulla. Uma Fulla básica de hijab verde claro e saia comprida em tom creme, justa. A Fulla é uma espécie de Barbie Muçulmana. Pretende aumentar a autoestima das meninas Islâmicas e fazê-las aceitar com mais naturalidade o uso do véu. A compra da Fulla foi seguida de dia e meio de vergonha na Indonésia ao passear-me ao lado de uma criança que apontava com euforia cada senhora que passava gritando: “Mamã, Muçulmana, Muçulmana”. A Fulla serviu para lhe fazer a primeira introdução ao mundo da diversidade religiosa. Onde não existem religiões melhores, nem mais certas, onde cada um deveria procurar a divindade da forma que lhe traz mais conforto, e menos angústia, e deixar todos os outros em paz, e vivê-la no silêncio que continua ainda hoje a ser uma das melhores formas de comunicação neste tipo de discussões.

A Fulla já foi abandonada. O hijab dá demasiado trabalho a colocar.

Mas numa tentativa de aprender a pôr a pobre da boneca com um ar decente, descobri um novo mundo que me resolveu o problema das prendas de aniversário para os filhos dos amigos Muçulmanos!