Tuesday, September 11, 2007

TAMBÉM TU, BRUTUS?!

A menina do lado sou eu, com a idade da minha filha.
Acho que o cabelo deve ter sido seco pelo meu pai, acho que era sempre ele que o fazia e punha-me aquele ganchinho de lado. O vestido era de um tecido cru e com o tempo começou a apertar-me na barriga e a limitar-me o movimento dos braços, mas eu gostava muito dele e tenho-lhe memórias de festas associadas. Acho que toda a gente tem um vestido assim; daqueles que se toca no tecido e se sentem coisas boas apesar de as não recordarmos com detalhe.
A foto é de um casamento, claro. Só nessas fotos se fica assim hirto a olhar para a frente meio-assustada. E recordo-me que era de uma amiga da minha mãe, também professora, que não era daqui. Era a única crescida que eu conhecia que tinha um namorado e eu achava que ele era também meu namorado porque supunha eu que as pessoas tinham cada uma apenas uma função. E no dia do casamento, seguindo, se não me engano, uma tradição da terra, eles caminharam pelas ruas com o cortejo atrás e eu fui assim à frente de mão dada com eles, estragando-lhe todas as fotos, mas achando que, pronto, ele deveria caminhar com as duas namoradas.
Ela era muito bonita e usava o garfo de uma maneira especial como se tivesse que rir sempre antes de cada garfada.
Hoje tropecei na foto. Tropecei literalmente na foto, porque estava no chão na confusão a que eu chamo quarto. E olhei para a foto da menina que eu fui e que tem a idade da minha filha e pensei no que diria ela de mim se me conhecesse, com o meu garfo na mão, com o meu vestido de casamento, a rir-me à mesa. E achei que ela não iria olhar para cima com os olhos castanhos achinesados e desejar ser como eu quando fosse crescida. E sinto que a desapontei. Dei-lhe excesso de peso e hipertensão, uma franja que não queria e o cabelo pintado de preto por engano. Dei-lhe o Elia Kazan como realizador preferido e lágrimas a ver o Esplendor na Relva, de cada vez, como se fosse a primeira. Dei-lhe 5 anos de ensino superior para nada, um mestrado inacabado, doenças tropicais. Dei-lhe um gosto por causas perdidas e o horror à confrontação. Não lhe dei casa própria, nem carro próprio e ás vezes nem amor próprio e sinto-me culpada por isso. Dei-lhe um gosto pelo sarcasmo e pela ironia e disso não me arrependo porque esse é o truque de passar pela vida, conhecendo-a e aceitando-a sem a aceitar. Dei-lhe o gosto pela comida condimentada com especiarias, colorida com especiarias e perfumada com especiarias. E o vício do chá e das pilhas de livros. E mais nada.

O que não deixa de ser mau, porque a menina da foto ao lado queria ser cabeleireira...

7 Comments:

Blogger Fer Guimaraes Rosa said...

Alexandra, seus textos sao divinos. Adoro te ler!
Essa foto esta uma belezura... Voce parece ter sido uma menina muito comportada. um beijo!

9/11/2007 4:59 pm  
Blogger carla alexandra vendinha said...

obrigada meninas! eu também gosto imenso de vos ler. e sim fezoca, eu era uma alma velha - o que é praticamente um crime, numa criança!!!

Gosto muito das visitas de vocês as duas!

9/11/2007 7:25 pm  
Blogger Elsa Serra said...

:) descobri o blog já nem si como, mas agora visito-o e adoro-o,este texto está muito bonito :)

9/12/2007 9:40 am  
Blogger Vera said...

És uma pessoa muito bonita, não desapontas ninguém.:-)

9/14/2007 10:01 am  
Blogger cristina roldao said...

Há bastante tempo que acompanho a sua escrita e as suas aventuras num lugar tão distante, eu acho que escreve muito bem, porque o que diz e a forma como o diz "mexe" comigo, o universo da maternidade "mexe" também muito comigo, sou filha e sou mãe e gostaria de ser mais mãe e acho ainda que gostava de ser tão mãe quanto a Carla é.
Cristina Dinis Roldão

9/19/2007 5:44 pm  
Anonymous Anonymous said...

Tenho a certeza que a menina da foto está muito orgulhosa de ti! Eu estou!....
Beijinhos.

9/24/2007 12:04 pm  
Anonymous Anonymous said...

E deu-lhe belos textos também, não?
Bjs
Andréa

9/26/2007 9:23 pm  

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