SETEMBRO, 11

E lá se foi para Londres.
Londres era o caos. Com todos os vôos atrasados e todas as bagagens, sacos, saquinhos saquetas a serem revistados. Lembro-me do Paquistanês de turbante na cabeça que me revistou o saquinho com aquelas coisas que as meninas usam em dias especiais do mês e de eu lhe dizer que pronto, aquilo era um bocado embaroçoso e ele reponder que não poderia ser mais do que para ele e senti-o ruborizado por trás das barbas. Mais tarde vi-o a conduzir o autocarro que nos levou ao avião. Acho que toda a gente naquele aeroporto fez um pouco de tudo naquele dia.
E lá se foi para Sidney. Mais de 5 horas de atraso.
E em Sidney as ligações perdidas e as malas também. Recebe-se um estojozinho com um penso higiénico, 3 toucas de banho, uma escova de dentes, uns calções e uma tshirt brancas da Quantas e $100 dolares australianos que na realidade parecem dinheiro de brincar porque têm pássaros e cores e zonas transparentes. E porque não querem mais despesas para compensar vôos perdidos, enfiam-nos em aviões em passo de corrida e subitamente vejo-me a caminho de um destino que não era o meu com um jornal debaixo do braço, onde ha fotos de corpos mutilados e edificios destruidos e sentada no chão em Alice Springs, com um aborigene descalço a caminhar à minha frente - que eu penso que é pago para dar um ar exótico ás instalações - descubro que o mundo mudou enquanto eu voava em classe turistica.
Foram quase duas semanas, se não me engano, em que eu e mais duas pessoas, vestimos diariamente todos os dias - como se diz na RTP, os calções brancos e a tshirt da Quantas, fazendo-nos parecer membros de uma seita desportista. Depois chegaram as malas e toda a minha roupa tingiu por causa da humidade. A T-shirt perdura e livrei-me dela simbolicamente antes de vir de Timor em Julho.
O terror também perdura. E depois de Bali, e de Madrid e de Londres, sabemos que estamos frageis e expostos em qualquer local do mundo. Mas dessa noção de fragilidade tem que nascer qualquer coisa. Mas a única coisa que nasceu foi um desejo supostamente justificado de manipulação, ingerência e total desrespeito por direitos básicos.
E isto é muito mais incómodo do que viajar em turistica enquanto o mundo muda.
4 Comments:
pois é
está muito bem descrito, como a vida corre,"enquanto o mundo muda" e tanto ...
Ha seis anos atras, em Sheffield na Inglaterra, depois de ter telefonado a minha irma, em Portugal, a desejar-lhe um feliz aniversario e o costumeiro beijinho de parabens, liguei a televisao para ver as noticias da hora do almoco enquanto me vestia para ir a minha consulta dos seis meses de gravidez no consultorio da minha medica (a cerca de dez minutos a pe de minha casa); as imagens mostravam um arranha-ceus em chamas e, enquanto eu pensava "que horror, coitados...!", um segundo foco de incendio comecava no edificio ao lado. Desliguei a televisao e apressei-me a sair de casa para a minha consulta enquanto digeria as imagens que tinha presenciado.
Na recepcao do consultorio medico, a boa maneira inglesa, pouco se falou no assunto; a minha enfermeira parteira disse-me quase num sussurro "acham que foi um ataque terrorista...".
O mundo tinha mudado e eu quase nao tinha dado por isso.
Alloo, eu fiz parte da "seita desportista"! Gostei de perceber que alguém partilhou os mesmos momentos que eu, contudo, à distância, porque só se apresentou ... em Sidney! Devo dizer que foste e és muito bem vinda, porque há mudanças muito boas - Gonçalo
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