Sunday, July 17, 2005

CRESÇO


Consigo imaginar gotas de chuva a caírem sobre a tua cara.
Consigo imaginar o sorriso que farias ao senti-las a tocarem-te a pele morena que agora brilha bronzeada pelo sol de Bali e da Areia Branca.
Mas escondo-te da chuva porque tenho medo que te faça mal.

Tenho gravado na memória a imagem da Rocio em Chiloé, com a tua idade, a espetar a cabecinha pela janela do carro, a caminho de Chonchi, para sentir o vento e os chuviscos na cara. Toda ela Natureza. Toda ela Elementos.

E lembro-me de me assustar ao olhá-la.

Porque naquele instante ela não tinha dois anos. Não era a menina que na véspera tinha vestido o fato de cão feito com restos de tecido peludo castanho que serviu antes como forro de casaco e que a Elvia passou a noite a coser para festa da Creche.
Com os olhos fechados a sentir o vento e a chuva na cara a caminho de Chonchi, a Rocio era a mãe. E toda ela era apenas solidão e tristeza. E uma tristeza tão profunda que estranhamente transmitia paz.

Tenho gravado na memória a imagem da Rocio em Chiloé, a olhar-me fixamente enquanto segurava os animaizinhos de plástico em frente aos meus olhos e me sussurrava em Castelhano:
- Ca va llo. Pe rro. – e arrastava-me até à rua e apontava – Es tre llas

E lembro de me assustar ao olhá-la.

Porque naquele instante ela não tinha dois anos. Estendia-me a mão ensinando-me a língua dela através das pequenas coisinhas que eram todo o seu mundo; os bichos, e as coisas que fazem os dias. E subitamente deu-me uma vontade enorme de chorar.

E agora olho para ti e essa sensação regressa, porque há em ti tão pouco de criança e eu estou aqui sem defesas com receio de te amar de uma forma que te sufoque e ninguém me ensina, ninguém me aponta o caminho, ninguém me diz como é que isto se faz…