HAE-CONI
Sentada na varanda da Escola de Hae-Coni, com o Director e o Liurai ao meu lado esquerdo, a beber chá quente muito açucarado e a comer bolo de batata doce e caramelo, sinto que podia ficar ali a vida inteira. O vento atravessa a varanda e lá ao fundo há um pequeno monte com uma árvore enorme que recorta o céu e é tudo tão lindo, tão limpo e perfeito que não parece real. Em baixo o Padre Tomás celebra a missa porque o Padre local, um Filipino, ao fim de 3 horas ainda não tinha aparecido. E a G. senta-se nos degraus e olha-o fixamente sem perceber a situação.
O Padre Tomás é doce sem ser meloso, é sarcástico sem ser amargo, canta canções pop indonésias acompanhadas por gestos que fazem a G. rir durante toda a viagem, diz adeus ao sol quando ele se esconde ao fim do dia e trauteia marchas de Lisboa, e assim transforma uma viagem de saltos e solavancos iniciada ás 5 da manhã (uma hora pouca católica, como eu lhe sublinhei quando o fui buscar), num dos momentos mais bonitos que vivi até agora em Timor.
Hae-Coni fica no sopé do Matebian. Matebian significa o “lugar para onde vão as almas dos que partem”.Matebian é também o nome que se deve juntar ao da pessoa que morreu quando se fala dela. Se eu falar do avô a alguém, devo dizer Matebian Francisco. Ou Francisco Vendinha Matebian. E assim todos sabem que a alma dele já aqui não está. Partiu. Foi para a montanha.
Hae-Coni é fresca e tem qualquer coisa de diferente. A escola que inauguramos foi construída pela comunidade. Ontem pintaram-na de rosa, lilás e azul e ficou linda!
Em cima, no edifício principal, num plano elevado em relação a tudo o resto, ficam os convidados importantes. Em baixo, a restante comunidade. Quando distribuem o chá e o bolo, apesar da fome sinto-me desconfortável. Incomoda-me o tratamento diferente mas quando olho para as pessoas em baixo, reparo nos tabuleiros cheios de chávenas que circulam entre os presentes – iguais aos nossos, os “importantes” e reparo no telheiro que foi construído para proteger todos do sol e ouço a voz do organizador ao microfone a pedir desculpa por não terem arranjado mesas para todos e a assumir a responsabilidade. E é isto que Hae-coni tem de diferente – é o respeito e o sentido de igualdade entre todos os membros da comunidade. E a brisa atravessa a varanda e eu não tenho vontade de partir. E quando olho para o Liurai digo à G.: “G, este senhor é o rei, é o rei de Hae-coni, como os das tuas histórias”. E sinto-o a sorrir. Sorriu porque ouviu. Ouviu porque eu quis que ele ouvisse…
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