Tuesday, December 05, 2006

SÃO ROSAS, SENHOR, SÃO ROSAS

A equipa chega assustada de Natarbora. Parece que estamos na altura do ano em que algumas famílias da zona de Viqueque vão em segredo até à zona de Natarbora e fazem lulik.
Lulik é o termo que se usa para tudo o que é sagrado. Todo o acto ligado ao sagrado é chamado de tradição. Fazer tradição significa levar a cabo um acto de louvor ou celebração do sagrado; anímico.
Num Português difícil, porque o Português aqui no escritório torna-se sempre difícil quando se relata algo que faz parte da realidade mas ao qual as pessoas não querem ser associadas, é-me contado o que se passou. Determinadas famílias de uma aldeia na zona de Viqueque estão a fazer o que fazem todos os anos. Estão a fazer a tradição e viajam pela calada até à zona de Natarbora e matam e roubam. E quando matam tiram o coração e a língua e dão-os a comer a uma cobra específica. O coração e a língua de gente, não de animais. Diz-me a J. que quando souberam correram a ver a lista de professores presentes e morreram de medo quando verificaram que a aldeia da dita zona enviou os seus professores…As noites foram por isso mal passadas… E a conversa decorre e salta-se de história em história durante o almoço. E com horror descubro os detalhes das tradições canibais ainda presentes, a menos de 50km da mesa do Amália onde estamos a comer.
Parece que há uma semana a A. se cruzou com uma mulher que estava em fuga. Tinha deixado o marido e não ía voltar. Tinha sido mãe há pouco tempo e depois de algumas horas a lavar roupa, ao chegar a casa viu uma panela ao lume, ao destapá-la viu a mão do seu bebé. A família do marido fez tradição; todo o primeiro filho tem que ser morto e comido. A mais alguns km desse local, por tradição, os corpos não são enterrados. São comidos pelos familiares. E se alguém mais afoito faz um enterro, o corpo será desenterrado e a tradição será feita. “É preciso cuidado com o homem com quem se casa. Nós não sabemos se ainda são antigos e fazem a tradição. Não é todo o Timor, é só assim nalguns sítios.” E as descrições prosseguem cada uma mais complexa do que a outra, horror atrás de horror que revelam o quanto de tribal Timor ainda tem, e a insanidade dos políticos e da comunidade internacional que trabalha nesta terra, ao não o reconhecer não adaptando por isso os seus métodos e estratégias a esta realidade.

1 Comments:

Blogger sara carvalho said...

Estou chocada... arrepiada... incrédula... Nem todas as pessoas são iguais, mas não tem medo de estar aí? Eu teria.

12/18/2006 4:20 pm  

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