Monday, February 19, 2007

WE WILL ALWAYS HAVE PARIS...

Quando conheci os primeiros Timorenses em Portugal, há 15 anos atrás o que mais me marcou foi o facto de todos eles, separadamente, terem dito que o odor preferido era o da terra molhada. E eu achei que essa coincidência era fantástica. E pensei que só um povo especial pode partilhar esse tipo de sensações que nos vem da memória olfactiva.
E cheirei a terra molhada várias vezes e não consegui sentir nada a não ser uma certa melancolia, uma quase tristeza que não conseguia explicar. E ainda hoje passar por um jardim que acaba de ser regado, devolve-me essa sensação; e eu apresso o passo.

Queria que a minha filha guardasse na memória o cheiro de Timor depois da chuva. Que guardasse na memória os sons dos tambores tocados pelas mulheres enquanto dançam. Que crescesse consciente de pertencer a dois mundos e ensinei-a a dizer que é vaidosa de ser Timorense e a explicar porquê. Levei-a a ver as danças dos liurais enquanto outros assistiam ás condecorações no estádio. Expliquei-lhe porque marchavam os jovens com o lenço ao pescoço, representando os pais que morreram na luta. E as mulheres de rosto inexpressivo vestindo restos de fardas que constituíram a única roupa que usaram durante anos.

Em Dili a K. andava de bicicleta ás 4 da tarde, quando foi bloqueada por um táxi com 5 rapazes que lhe atiraram a bicicleta ao mar, a apalparam, e partiram levando-lhe o telefone e as chaves. Menos de uma semana depois ao caminhar com mais 3 pessoas, já de noite, numa zona aparentemente tranquila, encostaram-lhes uma catana ao pescoço e levaram tudo o que transportavam com eles. Regressou à Austrália. Transtornada. Não sabe se volta. Não sabe se consegue voltar.

Por vezes penso que as imagens que a minha filha guardará na memória, não serão das tardes passadas na praia, os sons dos tambores, os macaquinhos da curva, o coqueiro torto da ladeira, o toke a cantar. Serão os rituais nocturnos de colocar os cadeados nas portas, o não dormir na cama dela, as trancas de madeira na porta do meu quarto, o fechar as janelas do carro quando entramos em determinadas estradas, o esconder-se entre os bancos quando a policia nos manda recuar por haver pedrada na rua um pouco mais abaixo.

Acabei a leitura do “Timor antes do futuro” de Mário Carrascalão e iniciei a Biografia de Konis Santana do José Mattoso e subitamente senti que não conseguia continuar a ler. Senti dores nas articulações e um cansaço tão grande e uma tristeza tão profunda igual à que se sente quando amamos alguém e não percebemos porque a outra pessoa não corresponde. E sinto que amo esta terra e ela não me devolve o afecto. E que respeito este povo mas ele não se respeita. E pergunto-me mais uma vez mas que faço eu aqui? Mas que faço eu aqui? E hoje não sei responder. E muito a la Scarlett Ohara murmuro para mim mesma: “amanhã, amanhã penso nisso”, e viro-me para o outro lado e tento dormir. Mas a cada noite que passa o sono demora cada vez mais tempo a chegar.

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Amiga,não desanimes...lembra-te daqueles que precisam de pessoas como tu...ESPECIAIS!E sabes que tens sempre colinhos para te aconchegares assim como a G. tem o da mamã...beijinhos para as mais lindas meninas de Timor.

2/19/2007 10:41 am  
Anonymous Anonymous said...

É muito dificil mesmo ? não dá para Acreditar (é preciso) ?

2/19/2007 4:23 pm  
Blogger Fer Guimaraes Rosa said...

seus textos sao lindos demais, Alexandra. mas tambem penso nisso, em lhe perguntar, o que fazes ai?
beijos,

2/19/2007 5:37 pm  

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