AINDAS...
Sempre achei que ensinar era algo quase sagrado.
Assim uma espécie de actividade divina.
De cada vez que me cruzei com um bom professor, tratei-o com o respeito com que se tratam os ícones. E mostrava esse respeito aprendendo sofregamente o que me tentavam ensinar. Mas eles não foram muitos. E as minhas boas notas limitaram-se a 3 ou 4 disciplinas… Mas cada um desses Professores, acompanhou-me sempre. E por causa deles, decidi que nunca seria professora. Porque tive a noção que me faltava a capacidade para cativar; um cativar muito parecido ao da raposa. Muitos muitos anos mais tarde, já a trabalhar numa Agência das Nações Unidas, e quando tentávamos criar um sistema de selecção para os conselheiros que iriam ter funções de capacitação no Governo de Timor, o então meu chefe de projecto, boicotando toda a seriedade da reunião, afirma que não precisamos de entrevistas, de análises de Cvs, de nada. Bastava uma simples amostra de sangue. Porque capacitar é ensinar e para ensinar ou se tem o gene ou não se tem. E mais nada.
Faço, entre outras coisas, a gestão de uma equipa de Timorenses que tem como função capacitar 400 professores ao longo de dois anos. A maioria desses professores é de zonas remotas. Algumas ficam isoladas na época da chuva, mas nós vamos lá. E os professores gostam e demonstram-no participando. Demonstram-no caminhando 3 a 4 horas a pé para chegarem ás 8 da manhã ao local mais ou menos equidistante onde se reúnem com os colegas da mesma zona e recebem a formação. Depois regressam ás suas escolas e trabalham horas extras para compensar o tempo que roubaram aos meninos enquanto estiveram fora da sala de aula. O que eles não sabem é que a equipa que se desloca na pick up moderna, que é recolhida em casa antes de partir, que foi paga durante um ano para estar a aprender o que lhes estão a ensinar, passou horas na véspera de cada formação a exigir mais dinheiro para pequeno almoço, tempo extra de descanso, a recusar-se a almoçar com os professores que treinam – os mesmos que quando os formadores estão a ser recolhidos em casa, vão já na segunda ou terceira hora de caminhada. E tenho momentos em que me pergunto: que faço eu aqui? Onde estão as palavras que eu não sei usar e que fazem as pessoas sentir que há trabalhos que não são empregos, são missões? Porque estou eu no outro lado do mundo, longe dos que gosto, onde apanhei Dengue, Febre Tifóide, assaltos, escorpiões, metade do salário do emprego anterior, e acordo por vezes com um buraco na alma que faz o Gin parecer uma boa alternativa ao leite magro? Será porque sinto que há de facto trabalhos que não são empregos, são missões? Porque metade do salário anterior continua a ser um bom salário? Acho que não. Acho que alguém deve respeitar quem caminha 4 horas para descobrir como deve organizar a sala de aula, para descobrir o que Piaget disse sobre como crescem os meninos e depois voltar á sala de aula sem mesas ou mesmo giz e aplicar esse conhecimento. Acho que gente assim merece respeito. E acordo sempre com a esperança de que é hoje, hoje, que vou descobrir as palavras que farão esta equipa compreender isso.
Mas neste preciso momento, despedi-los também não me parece má ideia….
3 Comments:
Adorei, e concordo com tudo o que você disse.
E queria te perguntar como você começou a fazer este trabalho e quais as qualificações profissionais nescessárias para o mesmo?
Seria, também aqui, necessário capacitar o afecto?
Beijos de longe
Cheguei aqui através do Blog da Sónia.
Penso que compreendo perfeitamente o que sentes, mesmo se estamos em continentes diferentes ...
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