Thursday, May 18, 2006

...AVALON

E gosto do trabalho
E o projecto começa a fazer sentido.
E a equipa começa a funcionar como equipa.
E em casa temos a melhor casa de banho do distrito de Baucau!
Mas acho que aconteceu aquilo que acontece nalgumas relações; um dia acorda-se olha-se para o lado e não se sente nada por quem lá está.
E isto é novo para mim.
Mas acho que está a acontecer.

E a estação das chuvas está a acabar e o verde esconde-se e a terra alaranja-se e as montanhas cobrem-se de uma tristeza que se pega à pele e não sai.

E a G. vai a uma escola onde nem o nome dos meninos aprende. Onde reza 3 vezes em 2 horas, onde decora o alfabeto sem saber para o que serve, onde nunca fez um desenho e onde as aulas de ginástica se reduzem a 30 crianças em uniforme desportivo a lavar, esfregar, arrancar ervas e limpar como se fossem crescidos, a sala onde lhes deveria ser dado espaço para expressarem criatividade, o recreio onde deveriam brincar com supervisão durante mais de 10 minutos.

O meu sentido de responsabilidade como mãe, fez-me retirá-la apressadamente de Timor antes que algo acontecesse e a saída dela ficasse sujeita ás limitações do passaporte que possui. O meu sentido de responsabilidade como mãe fez-me retirá-la apressadamente de Timor quando ao cair partiu um dentinho. E isto quer dizer o quê? Que cada vez que o meu sentido de responsabilidade desperta eu retiro-a a correr do país?

A FRETILIN está reunida em congresso. E sem surpresas, a montanha irá parir um rato. E sem surpresas os conflitos não serão solucionados mas adiados. E sem surpresas uma nação inteira continuará a viver numa bolha fugindo para a montanha e paralisando as instituições, a economia, de cada vez que ela ameaçar rebentar. E nesse momento, o meu sentido de responsabilidade como mãe, far-me-á pegar na minha filha e retirá-la do país.
Mais uma vez.

Timor para mim nunca foi um encantamento. Nunca foi idealizado romanticamente. Foi sempre uma forte determinação. Em Portugal, o trabalho com a comunidade, em especial com os “fence jumpers”, fez-me manter os pés na realidade - através deles tinha acesso ás fotos da resistência onde toda a ilusão de romantismo da luta era rapidamente apagada. Mas aprendi a respeitar o povo e contribui da melhor maneira que podia para a luta. E envergonhadamente confesso que nunca acreditei na independência. Nunca a achei possível tão rapidamente. Nunca antes da do Sahara Ocidental. E fiquei emocionada quando ela aconteceu e chorei de pavor ao ver o país ser destruído e senti uma angústia terrível quando pisei pela primeira vez dili e os pulmões se encheram de um cheiro a queimado que ainda hoje sinto.

Mas este não é o sítio onde a minha filha pode crescer. E por muito que me custe a aceitar, esta é a terra dela, mas a terra dela ainda não está preparada para a cuidar. E se eu estou disposta a sujeitar-me ao rigor do clima, ao pavor da violência, ás condições sanitárias básicas, ao dengue, á giardia, à malária, ás picadas de escorpião, ás cobras escondidas debaixo da cama, por acreditar que de alguma forma posso contribuir para o desenvolvimento deste país, que direito tenho eu de impor isso a ela?

Para a semana voltamos, mas sinto que nada vai voltar a ser como dantes.
Porque hoje aconteceu aquilo que acontece nalgumas relações; acordei, olhei para o lado e não senti nada por quem lá estava.
E custa mais do que perder um amor.

'e perder um projecto de vida.

E a FRETILIN continua reunida em congresso.
Sem surpresas.

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Oi,Amiga!A C. que eu conheço e admiro não é derrotista,sempre enfrentas-te com perseverança e coragem o que a vida te coloca dia-a-dia,não é agora que vais desistir,pois não?FORÇA!Tens pessoas que cruzam os dedos pela vossa felicidade,Ok!Estamos cheias de saudades.A G. está tão grande!E LINDA!Adorei as fotos!Jinhos

5/18/2006 5:40 pm  
Blogger guga2004 said...

Acho que consigo perceber o que queres dizer apesar de não viver a tua realidade, mas queremos sempre o melhor para os nossos filhos. Se não és feliz aí, tens de procurar ser noutro sítio. Espero que corra tudo bem.

bjs Sandra

5/22/2006 10:00 am  
Blogger carla alexandra vendinha said...

mas eu sou muito feliz la, sandra. e a G. tambem (porque ela nao entende dessas coisas de ensino de qualidade:-))
O problema reside no facto de a seguranca se estar a deteriorar muito rapidamente. Hoje por exemplo, recomecou o tiroteio em Dili, o que fez com que tivessemos que adiar novamente o regresso. E a tristeza nao reside so no facto de esta inseguranca afectar o trabalho, as nossas rotinas; afecta directamente as vidas das pessoas com quem convivemos diariamente. Eu posso pegar na minha filha e fugir.Os meus colegas de trabalho Timorenses, podem esconder-se com tecos e tarecos atras. E depois de 25 anos de luta, isto 'e profundamente triste.

5/23/2006 1:20 pm  

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