Thursday, April 13, 2006

THE HOLE

A vizinha do lado canta para os filhos durante toda a tarde.
São canções sem ritmo numa voz nasalada mas alta. Muito muito alta. E nasalada. Muito nasalada
Canta-lhes em Makasae.
E as canções têm neles o mesmo efeito que em mim. Irritam-nos. Inquietam-nos. Fazem-nos chorar mais alto.

Naquela casa vivem pelo menos 4 crianças. Estranhamente do mesmo tamanho. Como se o leite da mãe só desse para crescer até aquele ponto e depois o processo parasse. O processo parasse aos dois anos.
Há também um bebé. Um bebé que não chora e que está sempre nu. E que vive ao colo.
Os outros quatro usam uma blusinha. Nada mais. Imundos do cimo ao fundo. Herdando a sujidade do dia anterior, da semana anterior, sem que a água a ameace.

A vizinha do lado não trabalha. Não, não é domestica. A vizinha do lado não trabalha. Passa os dias a embalar-se em canções e da casa dela não sai um cheiro de comida, uma peça de roupa a secar, um diálogo em tom normal. Vive sentada na varanda e com a mesma voz nasalada com que entretém os dias a cantar, vai relatando aos vizinhos que não têm ângulo de visão sobre a minha casa, cada gesto que fazemos, interrompendo o tom monótono que só ela impõe ao makasae, com gargalhadas de gozo, fortes, vivas, também elas nasais. E quando o faz, abre uma boca enorme onde aparecem vermelhos e reluzentes uma filada de dentes marcados pela masca. E depois inclina a cabeça e com igual vigor expele um jacto de saliva que tinge o muro em frente sangrando-o.

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