SIM, SENHOR MINISTRO...
Um ministro, seu homólogo, um bispo e um embaixador.
Uma procissão de gente branca onde é difícil perceber quem é o andor…
A feira do Livro em Baucau.
No palco crianças cantam “Oh rama Oh que linda rama” com sotaque quase quase Alentejano.
Filas e filas em volta das parcas bancas. Cinematografia Brasileira. Enciclopédias de Desporto. Dicionários de Italiano. Temas despropositados a preços simbólicos.
Filas e filas em direcção à caixa sem moeda alguma na mão.
Mãos pequeninas ágeis que passam livros pela janela recebidos por outras mãos pequeninas ágeis. Depois a corrida.
E começa a chover. Forte. Grossas gotas como não haviam há dias. E o espaço já de si pequeno encolhe. Os corpos colam-se. Molhados da chuva e da transpiração. Alguém corre para recolher os desenhos feitos nessa tarde pelas crianças. E subitamente esse gesto comove-me…
No palco uma professora com um Português límpido e formal de antigamente repete duas vezes o discurso ensaiado: “E agora a Escola Primária nº --- de Baucau, não querendo ficar atrás, vai interpretar 4 números…”, e eles entram. Muito pequeninos para a idade. Mesmo para Timorenses. As meninas com apêndices postiços no cabelo que lhes dão fortes rabos de cavalo miraculosamente seguros num cabelinho fraco e alourado pela falta de ferro. Os rapazes com chapéu de palha na cabeça. Sacodem-se sem vida ao som de uma música brasileira em passos supostamente do “vira” português.
É triste. É imensamente triste. Não apenas porque aqui, como em muitos outros sítios, ser Português é isto: o vira - mesmo que com a música errada, as músicas dos anos 40 de que alguém ainda se lembra vagamente da letra. Muito vagamente. A récita. O discurso com gestos de mãos. Não. Não apenas por isso. É triste porque estes meninos aprenderam os passos no tempo em que deviam brincar na escola. E aprenderam-no com bofetadas de cada vez que se enganavam, com puxões fortes de orelhas de cada vez que saíam do lugar marcado. E depois de tudo isso, esperaram em fila duas horas ao sol. Sem um copo de água. Sem um chapéu na cabeça. Com os apêndices postiços no cabelo hirtos do gel. Com o chapéu de palha caído nas costas, para decoração. E depois chegou:
Um ministro, seu homólogo, um bispo e um embaixador.
Uma procissão de gente branca onde é difícil perceber quem é o andor…
E hora e meia depois, depois de discursos e aberturas, “…não querendo ficar atrás…” eles dançaram o vira ao som de Leandro e a comitiva já tinha partido…
3 Comments:
Oi!
um texto que tive reler pois é muito profundo, e a vários niveis!
Fazias cá falta.
Fiquei com um aperto no coração.
É tão triste e deprimente esta nossa mania das raízes deixadas e, pior ainda, eles irem na onda. Será a treta da "saudade"?
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