LAYERS
O dia começou com ela a pintar um prato com a avó. Mas a avó não lho tirou das mãos a tempo e ela foi pintando pintando camada sobre camada até a pintura original desaparecer.E ficou uma coisa feia em que as tintas misturadas se transformaram num tom lamacento e triste.
E quando eu cheguei, perante a frustração da avó a olhar a obra desorgulhada, num ímpeto peguei no prato e coloquei-o debaixo de água. Misturei um daqueles detergentes fortissimos e apliquei-o com um esfregão forte. E no metal do lava-louça íam caindo as tintas nos tons cinza lamacentos e tristes e depois apareceu o vermelho vivo que ela tinha usado no início, o amarelo, o azulão e misturaram-se todos ficando novamente um cinzento lamacento triste com uns laivinhos de côr aqui e ali. Teimosos, persistentes. E entrego-lhe o prato limpo, branco porcelanoso... e dou-lhe o papel branco e o lápis e digo-lhe: Faz um plano, pensa no que queres pintar. E marco-lhe um círculo ferindo o papel com o lápis. E ela olha-me triste. E nos meus braços brilham, ainda teimosos e persistentes, os salpicos da tinta que resistiu ao detergente desenhando-me culpa na pele. Desculpa, pede-lhe desculpa. E vi-me pequenina nela e reconheci a tristeza que se sente quando nos pedem que pintemos bonito e colorido e o que nos apetece de verdade é pintar camada sobre camada até a pintura original desaparecer.
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