Saturday, September 30, 2006

O QUE FAZER EM CASO DE ASSALTO NO SUDESTE ASIÁTICO

mais especificamente em Timor (aplicável apenas aos distritos e não a Dili):

- telefone para o número geral da polícia;
- não expresse qualquer tipo de emoção quando lhe comunicarem que ninguém a pode ajudar porque está a decorrer um jogo de futebol;
- respire fundo;
- aguarde uma hora sentada na varanda em conversa exploratória com a sua técnica de higiene doméstica que decidiu levar a coisa a peito e acusa todos os vizinhos;
- telefone para o telemovel do comandante;
- não expresse qualquer tipo de emoção quando ele - em Inglês - lhe comunicar que se deve dirigir ao comando pessoalmente.
- respire fundo;
- sem se rir, telefone à Embaixada do seu país. O devido funcionário irá confirmar-lhe tentando não se rir também, que o melhor é fazer mesmo isso.
- meta-se no carro e dirija-se à policia;
- sente-se numa sala rodeada por 5 mulheres policias que a miram de alto a baixo;
- explique porque se encontra ali, permitindo que o relato dos detalhes atraia cerca de mais 8 funcionários fardados à sala;
- permita que essas 13 pessoas, perfazendo um total de 26 mãos (apesar de uma delas ter o braço engessado) belisquem repetidamente as bochechas de sua filha - é sinal de que a acham bonita e a esquadra é um local tão bom como outro qualquer para uma mãe se babar.
- sem se rir, preencha o seu nome enquanto 13 vozes gritam "Xico, Xico";
- Xico é o nome do único funcionário que fala Português. É idoso, tem um ar calmo e inspira confiança.
- respire fundo quando ele lhe pedir boleia porque não há transporte para levar a equipa ao local do crime;
- sem se rir, conduza os dois policias que se sentarão no banco de trás deixando-a sozinha à frente, até sua casa.
- faça um brilharete conduzindo o carro pelos locais onde sabe que vai passar por gente que conhece - conduzir policias fará um bem enorme à sua reputação tendo em conta a situação politica actual no país.
- tente não rir quando lhe pedirem emprestada a sua máquina fotográfica;
- tente não rir quando lhe pedirem um lápis.
- tente não chorar quando lhe disserem que não recolhem impressões porque há meses que não têm o equipamento necessário.
- leve-os de volta à esquadra;
- regresse com a promessa de que se arranjarem uma motorizada, alguém lhe levará uma cópia do relatório a casa - quando houver toner para a fotocopiadora.
- aprenda a espalhar côco e limão à volta da sua residência todas as noites, e nada disto será necessário.

Acção de recurso:
- suborne a sua técnica de higiene doméstica com gelados chineses e a possibilidade de assistir a novelas brasileiras dobradas em Indonésio até às 11 da noite, de forma a convencê-la a dormir em sua casa durante o período de "recuperação"!!!

THE BREAK...THE BREAK IN

Tudo começou quando o Tio Verme enviou uma mensagem por volta das 5 da manhã. Acordo assustada com o bip do telemóvel e reparo numa luz forte que irradia a partir do espaço entre a porta do quarto e o chão. É forte. Não é o candeeiro com a luz de presença, é do tecto. Deixei-a acesa, pensei. E levanto-me para a apagar. Mas ao chegar à porta paro. E olho para a G. que não sei bem porquê decidi que dormiria comigo nesta noite. E reparo no meu saco, com o lap-top, com um envelope com $600, que não sei bem porquê decidi trazer para o quarto. E reparo no prateado da maçaneta da porta que não sei bem porquê decidi trancar ao deitar-me e lembro-me: Eu apaguei a luz. Entrei no meu quarto ás escuras para não incomodar a G…Eu apaguei todas as luzes… E ajoelho-me e espreito por baixo da porta. Um espaço com cerca de 10cm. E pouco ou nada vejo porque há muitas coisas no chão, mas sinto que está lá alguém. Não ouço os passos mas sinto-os. Sinto que está lá alguém.
E tento decidir-me se devo ou não entrar em pânico.
Vou ver?
Se for ver, levo a Gui ou deixo-a no quarto?
Se a levar, levo-a pela mão ou ao colo?
E se ficasse aqui quieta? Com a porta trancada a janela com grades?
E se telefonasse a alguém? Mas a quem? E se quem está do outro lado ouve a minha voz? E se ficasse aqui quieta?
E fico. Vou esperar pela luz do dia. Depois vou ver, mas vou esperar pela luz do dia. E chegam as 6 da manhã o dia começa a clarear e os meus olhos, depois da segunda noite sem dormir devidamente, começam a arder e ficam pesados e eu caio sem querer num sono que também me pareceu pesado e estou a dormir sabendo que estou a dormir e que não deveria estar a dormir e acordo 20 minutos depois com a cabeça a rebentar, uma orelha dormente e a G, ao meu lado a dizer: “Bom dia! Preciso de fazer xixi” Agora não bebé, tens que esperar um bocadinho. “Mas eu preciso” Agora não tens que esperar um bocadinho, e eu tenho uma boa razão. Ainda não te posso dizer qual é, mas tenho uma boa razão. “Eu vou tentar. Não prometo, mas vou tentar” E ficamos quietas, abraçadas. E eu vejo o sol a espreitar entre as cortinas e penso – só mais um bocado. Vou dar tempo a quem lá esteja, só mais um bocadinho. Até que ela diz “Agora já não dá para aguentar mamã.” E eu dou-lhe a mão e abrimos a porta. Na sala há muita coisa espalhada e o colchão foi levantado, a televisão está ligada com o som quase no mínimo, No quarto dela uma beata de cigarro que nem sequer foi pisada, na cozinha os pratos sujos do nosso jantar foram colocados no chão. Em cima da máquina um frasco de caramelo aberto, o saco vazio de uma sanduíche que estava no frigorifico, um tupperware com um restinho de sopa de bróculos caído ao lado, na casa de banho, entre jornais e revistas espalhados, uma maçã meia comida coberta de formigas, marcas de pés descalços, cinza de cigarro, todas as gavetas, embalagens, sacos e saquinhos foram abertos e espalhados. $6 dolares depois e um vestido piroso em tule, ele foi embora, deixando-me a mim a olhar com nojo cada objecto da casa que eu começava a sentir minha e levando com ele, também, o meu sono.

Monday, September 18, 2006

I SEE DEAD PEOPLE

A G. sabe escrever:

MAMÃ, VÓVÓ MIMI, VOVÔ, JANA, ANA, CAMA , CASA, PÃO, LEITE, GUI, PEPE, MAR, VERME, 1,2,3,4,5 e insiste que 5+5 são seis e que uma das mãos tem 6 dedos. E não quer ver bonecos porque tem que “fazer trabalhos”.
E eu não sei que faça.
Tem 4 anos.
E vê-la a explicar ás bonecas sentadas em fila: “Agora as meninas fazem esta matriz “(e faz riscos no quadro branco que imitam uma tabela) “E eu estou aborrecida! Eu estou muito aborrecida! Não fazem nada nesse Ministério?” E depois da vergonha passada em Dili em que a apanhei a dizer ao conhecido Funcionário da Alfândega “é que esse Ramos Horta só pensa nele” não querendo sequer imaginar que outras declarações políticas terá feito anteriormente… Quer dizer, não é que ela ouça estas coisas em casa…
“A minha calcadora? Mas onde está a calcadora? Tenho que acabar este orçamento! Tiram-me tudo! E agora as minhas contas?”
E interrompe-me a reunião de equipa entrando de rompante na sala gesticulando: “Olha mamã, não se pode confiar em NINGUÈM! "E sai gritando: “Ai Dona Seberina, preciso do meu chá, se faz favor!”E volta atrás e diz: “Olha mamã, a minha filha é insuportável.” Certo, é como a minha, interrompe-me sempre as reuniões, sabes? – digo-lhe eu.
Ah não é nada mamã! A minha morreu, mamã. Morreu e continua in-su-por-tavel

Tuesday, September 12, 2006

REVISITING II

Sentada no HT durante largas horas à espera de um membro do governo para reunião, não passo um segundo de tédio.
Agora que os contratos dos Consultores das Nações Unidas terminaram e parte dos cargos passa a ser administrada ou por outra Agência ou por um dos Ministérios, instaurou-se o desassossego. E os encontros com potenciais pessoas chave desenrolam-se a um ritmo fantástico. Os cafezinhos pagos, os sorrisos e as gargalhadas durante os curtos diálogos.
O número de consultores será reduzido e ninguém quer ficar de fora. O problema do trabalho para a ONU reside no facto de os salários serem elevados. Eu sei. Já beneficiei deles durante 3 anos. Abdiquei por não suportar o sistema. Ás vezes arrependo-me mas na maioria das vezes penso que foi de facto um ataque de pura sanidade e ética. Mas recordo-me do assédio de que era “vitima” durante os períodos de renegociação, simplesmente porque estava ligada ao recrutamento.
E hoje sentada aqui a beber o meu latte, com a G. a contar pacotes de açúcar de marca SIS e a espalhar migalhas de pastel de nata por toda a parte, divirto-me a reconhecer o toque de desespero nos olhos de quem não quer perder o conforto de viajar em business, de ter férias pagas de dois em dois meses, conduzir um carro com UN em letras grandes na porta, ter combustível gratuito, passear-se com o ID ao pescoço e passar 75% do tempo útil de trabalho à procura de vaga numa nova missão…
Mas hoje, que se me avariou a máquina fotográfica, que duas teclas do telefone bloquearam não me dando acesso à minha lista telefónica, que descobri uma promoção fantástica de viagens para a Austrália, que decidi não passar o Natal em Portugal porque o preço é um absurdo, confesso que durante uns segundos, uns breves segundos, pronto, assim uns 3 ou 4 segundos foi-se-me a ética e o brio e deu-me uma vontade enorme de voltar áquela má vida de prostituta do desenvolvimento, e ir ali a Colmera comprar uma máquina fotográfica nova e um NOKIA preto muito lindo que vi no outro dia, e virar à direita e parar na Harvey e comprar dois bilhetes na Singapura Airlines, porque na Cathay perdem-nos as malas…
Por uns segundos... 3 ou 4 segundos...

Thursday, September 07, 2006

THE ORANGE


Hoje ao sair de uma reunião absurda, com um Australiano absurdo que ainda por cima é um Homem de Deus (um dos que viu a luz e ouviu o chamamento mas ficou cego e surdo durante o processo), quando conduzia de volta em direcção ao escritório, o absurdo prolongou-se; atravessa-se à minha frente vinda da estrada de baixo, uma Hilux de caixa aberta, carregadinha carregadinha de gente na parte de trás. Seriam umas 15 pessoas. Todas com um ar satisfeito e pelos apêndices capilares distribuídos em abundância, e normalmente muito populosos, pareceu-me que vinham da praia. De repente os meus olhos caiem sobre uma criança de cerca de 4 anos sentada entre dois adultos. Com um sorriso enorme, os cabelinhos encaracolados um rostinho miúdo e moreno e juro juro que se não tivesse a G. sentada ali ao meu lado perseguia o veículo para salvá-la daquela gente que a raptou e a estaria a fazer passar um tão bom bocado.
A semelhança era assustadora. O mesmo jeito de rir, a mesma pose segura, o mesmo ar descontraído e feliz.
E lembrei-me da teoria da laranja, das metades separadas, do dois de nós no mundo e pergunto-me o que andará a outra de mim por aí a fazer.

Espero que esteja pelo menos mais magra.

Tuesday, September 05, 2006

THIS IS NOT A PIPE

Passo a manhã a tentar explicar o conceito de critério de selecção e a sua transposição para uma matriz a 5 pessoas que frequentaram um sistema de ensino que lhes não permitiu desenvolver qualquer tipo de pensamento abstracto. O G. que coordena um programa na área das ciências financiado pela UNESCO, e a quem eu pensei pedir que passasse no escritório para lhes explicar como inserir na matriz critérios com pesos diferentes, fala-me na experiência que teve no dia anterior. Ao brincar com o microscópio numa sala com professores de biologia e química, tenta provar que tudo pode ser utilizado para observação mesmo quando não existem lamelas sofisticadas enviadas por doadores “descontextualizados”. E pega numa casca de cebola e coloca-a sob o microscópio e convida-os a olhar. Um dos directores chega no momento e espantado com a agitação pergunta o que se passa. É-lhe explicado. Ele olha. E re-olha, E sai da sala. Passado algum tempo regressa com uma pilha de livros e declara triunfante: “Isso não é uma casca de cebola”. “Sim, é . Olhe.” E coloca-lha na mão.”Já vi todas as imagens de todos estes livros e em nenhum deles há uma casca de cebola. Isso não é uma casca de cebola.” E o facto de a sentir na mão, de a esmagar entre os dedos, de confirmar a cor com os olhos, o odor com o nariz, não a tornava mais real… porque não estava nos livros…

Há tempos, no âmbito da avaliação do projecto em que trabalhava no PNUD, fui assistir a uma das sessões de capacitação interministerial para Directores. A conselheira muito segura de si, termina a sessão dizendo com um sotaque forte brasileiro:”porque podemos levar o burro até à água, mas não podemos obrigá-lo a beber”. Ao que um dos directores respondeu: “ A senhora talvez não, mas eu posso. Ai posso, posso”


E eu depois do dia de hoje só digo, olhem, desde que a água seja limpa…

Monday, September 04, 2006

CIDADE GRANDE

Assim quem entra na cidade antiga e vira à esquerda para a pousada, ao dar a volta na rotunda, que não é rotunda, por onde se passa em direcção à praia, não indo para a praia mas voltando como se se fosse para trás na direcção da igreja, aí mesmo, é onde agora se lava a roupa. Sim, no meio da estrada. No meio da estrada foi aberta uma vala que a corta de lado a lado, e as mulheres lavam aí a roupa. E os meninos chapinham. Há também a ocasional Mikrolete que pára e é violentamente lavada a balde. No muro em frente à piscina a água jorra biblicamente. Estrangeiras espertas – eu – com demasiado estilo para andarem de balde no carro, limitam-se a estacionar de janelas fechadas debaixo do bíblico jorro, até estar demasiado quente dentro do veículo e se começar a hiperventilar. O carro está divinamente lavado do lado esquerdo…

Em cima, junto ao Amália, reinstalou-se o mercado. Há vegetais de que não sei o nome mas conheço o sabor. A fruta-pão, a flor de bananeira, o agrião gigante e miudinho, as folhas de mostarda, o tomate, os ovos pequeninos e brancos, os montinhos de malagueta, as cebolas minúsculas, amontoam-se geometricamente, numa ordem comum a todos os mercados onde se sabe o valor das coisas pela unidade. As discussões começam a surgir. Esta é agora a cidade mais populosa de Timor. De Dili não veio só gente. Vieram os hábitos de pequeno crime, o vício do jogo do galo, os adolescentes assanhados… As motas acordam sem combustível, não se pode ir à praia sem se ficar sentada na areia subitamente no centro de um circulo, rodeada de rapazes que chapinham na água de calças e em tronco nu, de colares ao pescoço imitando os artistas pop indonésios. E se sozinhos parecem pateticamente ridículos, em grupo assustam e num estalar de dedos tornam-se perigosos.

E ontem chegou a luz. E ás 6 da manhã, quando a cidade despertou e as pessoas deram conta da promessa cumprida, TODA a gente ligou o rádio no volume máximo. E eu pude ouvir os últimos êxitos indianos, indonésios, brasileiros… todos ao mesmo tempo… Durante 2 horas.

AMELIA


Ao descer os degraus da casa de banho a segurar a mão da G. para que ela não caísse, torço o pé esquerdo. Após uma sequência de ruídos produzidos pelo dito, sento-me tentando não chorar. A senhora da limpeza, ou melhor – e para ser politicamente correcta - a técnica de higiene doméstica, dá uma gargalhada e vira a cara. A G, agarra-me a mão e faz-me festinhas. A técnica de higiene doméstica, a quem é difícil fazer entender que um só e mesmo pano não dá para secar a louça, limpar o chão, limpar a casa de banho etc.…A quem é difícil fazer entender que despejar o meu lixo pela calçada abaixo não é uma boa ideia, a quem é difícil fazer entender que esse mesmo pano humedecido uma vez, não serve para limpar o chão de todas as divisões. A quem é difícil fazer entender que os lençóis precisam de facto de ser lavados, não vale a pena tentar impedir-me e o quarto da G, não deve ser o local escolhido para guardar os insecticidas e o facto de lá existirem prateleiras não serve de justificação… A quem é impossível fazer entender que se lhe dou 5 dólares para o pão porque não tenho troco isso não significa que os tenha que gastar na totalidade deixando o resto da cidade sem pão durante um dia, permitindo-me receber olhos tortos e olhares furiosos de gente, que não conheço, mas aparentemente devota de hidratos…Bom, a técnica de higiene lá se apercebe que a coisa era grave e aproxima-se de mim e agarra-me pelo braço, pequenita, e eu lá finjo que ela de facto me está a amparar – algo que as leis da física nunca permitiriam – com a G. do outro lado a imitá-la; o que definitivamente não me facilita a coisa. E levam-me (pensam elas) para uma cadeira.
A técnica de higiene coloca a mão no meu trambolho e com uns dedos frios e muito firmes massaja-o vigorosamente (se ela aplicasse aquela convicção nos meus azulejos!). E massaja e massaja, e onde ela passa, a dor desaparece e o inchaço vai diminuindo diminuindo, até se tornar uma coisa pequenina. E eu dou Graças e concluo que se torcer o pé pelo menos 3 vezes por mês, o dinheiro que lhe pago acaba por ser totalmente justificado…